Firme resistência às represálias patronais

Inferno n' <i>A Brasileira</i>

Domingos Mealha

Nunca houve n' A Bra­si­leira do Chiado tantos pro­cessos e des­pe­di­mentos como no úl­timo ano e meio. O mau am­bi­ente criado pelos pa­trões gera pre­o­cu­pa­ções também quanto ao fu­turo.

Re­ce­biam 450 euros e fa­ziam 54 horas se­ma­nais

Um grupo de tra­ba­lha­dores do cen­te­nário café lis­boeta marcou pre­sença na ma­ni­fes­tação na­ci­onal de 29 de Maio, com uma faixa ama­rela que já se tinha mos­trado nas ruas da ca­pital du­rante a ma­ni­fes­tação da ju­ven­tude tra­ba­lha­dora, a 26 de Março. No dia 25 de Maio, os tra­ba­lha­dores d' A Bra­si­leira con­cen­traram-se à porta do es­ta­be­le­ci­mento, em pro­testo. Já ti­nham feito greve em Ou­tubro e em De­zembro. Sa­bíamos que se queixam de pressão psi­co­ló­gica e re­pressão. Agora, al­guns deles des­cre­veram-nos o au­tên­tico In­ferno em que têm vi­vido, desde que de­ci­diram or­ga­nizar-se no Sin­di­cato da Ho­te­laria do Sul, da CGTP-IN, e no PCP, e re­cla­maram os seus le­gí­timos di­reitos.

 

O pri­meiro marco

 

Ana, Ale­xan­drino, Edieu, Cle­vismar, Ro­drigo, Alain e Lu­ciano com­pa­re­ceram no CT Vi­tória, à hora mar­cada com a nossa re­por­tagem. Amauri, de­le­gado sin­dical, chegou mais tarde, de­pois de uma reu­nião na AR com o grupo par­la­mentar do PCP, sobre a si­tu­ação na em­presa. Este úl­timo é cu­bano, os ou­tros são por­tu­gueses e bra­si­leiros (ou com a dupla na­ci­o­na­li­dade). Ana é quem tem mais anos de casa, tra­balha n' A Bra­si­leira desde 1994. Ro­drigo en­trou em 2006 e é o que conta menos tempo de ser­viço.

O pri­meiro marco, nesta his­tória de re­sis­tência e con­quista, é co­lo­cado no úl­timo dia de 2008. Ha­bi­tu­al­mente, na pas­sagem de ano, o café en­cer­rava às 19 horas. Mas, no pró­prio dia 31, o pa­trão deu ins­tru­ções para que fosse cum­prido o ho­rário normal. Jaime Silva «nem quis con­versar con­nosco».

Já se vi­nham acu­mu­lando os mo­tivos de des­con­ten­ta­mento. Os sa­lá­rios eram re­co­nhe­ci­da­mente mais baixos n' A Bra­si­leira do que nos es­ta­be­le­ci­mentos vi­zi­nhos, «fa­zíamos 54 horas por se­mana, com um dia de des­canso, e re­ce­bíamos 450 euros», sem di­reito a nada do que está pre­visto no con­trato co­lec­tivo. Ana e outra tra­ba­lha­dora, em 2004, já ti­nham pro­cu­rado o sin­di­cato, «mas só duas fa­lá­vamos, em trinta e tal». Nessa al­tura, «muitos dos es­tran­geiros ainda não es­tavam le­ga­li­zados».

A 31 de De­zembro de 2008 os tra­ba­lha­dores re­jei­taram a al­te­ração ilegal do ho­rário, «fi­zemos como ha­bi­tu­al­mente e o turno da noite não pegou ao ser­viço». Dias de­pois foram ao sin­di­cato. As re­pre­sá­lias co­me­çaram de­pois de ter che­gado à ge­rência a co­mu­ni­cação para o des­conto das quotas e a con­vo­cação de um ple­nário, ao abrigo da lei.

Os nossos en­tre­vis­tados re­latam que daí em di­ante pi­orou muito a qua­li­dade da co­mida des­ti­nada aos tra­ba­lha­dores. Estes pas­saram a ser proi­bidos de le­varem para o tra­balho os seus pró­prios ali­mentos (chegou a ser «con­fis­cado» pela filha do pa­trão um saco com al­guns pês­segos), e a ser re­vis­tados à saída do ser­viço. Houve vá­rias si­tu­a­ções de pro­vo­cação e afron­ta­mento contra «sin­di­ca­li­zados e co­mu­nistas»...

Os que foram iden­ti­fi­cados nestas sub­ver­sivas ca­te­go­rias fi­caram, por cas­tigo, li­mi­tados a tra­ba­lhar ao balcão. Im­pe­dindo-os de fa­zerem o ser­viço de mesas e es­pla­nada, o pa­trão e a sua filha cortam-lhes as gor­jetas.

Man­ti­veram-se as rei­vin­di­ca­ções, para que a em­presa pa­gasse me­lhores sa­lá­rios e res­pei­tasse os di­reitos re­la­tivos a ma­té­rias como ho­rá­rios e folgas, tra­balho su­ple­mentar, sub­sídio noc­turno. A uni­dade e a luta do pes­soal fi­zeram mesmo com que o pa­trão ainda par­ti­ci­passe num início de ne­go­ci­ação, no sin­di­cato. Mas a via do con­fronto es­tava es­co­lhida pela ge­rência.

A pri­meira ví­tima grave desta opção pa­tronal, re­cordam os tra­ba­lha­dores, foi um seu ca­ma­rada que es­tava há cinco anos no Chiado, em­bora con­ti­nu­asse for­mal­mente no quadro da boate Night & Day (dos mesmos donos, tal como o Sky Club e a Canção de Lisboa). Na pri­ma­vera de 2009, qui­seram impor-lhe o re­gresso ao tra­balho noc­turno, mas ele re­cusou. Ainda se apre­sentou n' A Bra­si­leira du­rante três dias, e cum­priu o ho­rário, mas não lhe davam tra­balho e até o im­pe­diam de usar a casa-de-banho. Des­pediu-se, ale­gando justa causa.

 

Au­mentos e pro­cessos

 

No verão de 2009 os or­de­nados pas­saram para 515 euros e co­meçou a ser pago um sub­sídio noc­turno, con­di­ções que abrangem os mais ve­lhos na casa. Mas os pro­blemas con­ti­nu­aram.

Pre­textos mais ou menos ab­surdos ser­viram para de­sen­ca­dear pro­cessos dis­ci­pli­nares em que factos e tes­te­mu­nhos de nada va­leram, contra ver­sões fic­ci­o­nadas que apenas vi­savam des­pedir.

Cle­vismar foi des­pe­dido porque con­testou junto da pa­troa a «con­fis­cação» de um saco com al­guns pês­segos.

Lu­ciano, que du­rante nove anos ga­rantiu sem pro­blemas o fun­ci­o­na­mento do pe­queno res­tau­rante d' A Bra­si­leira, foi des­pe­dido por haver numa mesa seis cá­lices de vinho do Porto que ele não tinha re­gis­tado... Um caso tão grave que o pro­cesso dis­ci­plinar só foi le­van­tado em Abril, dois meses de­pois dessa ocor­rência!

O pro­cesso dis­ci­plinar que de­corre contra Edieu teve por origem a queixa de uma «amiga da pa­troa», da qual até os cli­entes se queixam no livro de re­cla­ma­ções. «Se isto fosse com um de nós...» es­taria na rua, por certo.

Contra Amauri foi in­ven­tada uma in­trin­cada im­pli­cação em «la­vagem» de di­nheiro, porque era um dos que es­tavam de ser­viço no dia em que foi en­con­trada uma nota con­tra­feita. De nada valeu o facto de, apesar dos avisos dos tra­ba­lha­dores, o de­tector estar há que tempos ava­riado.

Ana também teve um pro­cesso, por faltas. Não acabou em des­pe­di­mento, porque es­tavam jus­ti­fi­cadas e na lista cons­tavam até datas em que não tra­ba­lhava. Mas foi pu­nida com uma sus­pensão de 15 dias sem ven­ci­mento.

Também por faltas, outra co­lega acabou des­pe­dida. Fal­tava mais, por ter um filho... e não guardou provas da en­trega dos jus­ti­fi­ca­tivos. Outra ainda, ao fim de mais de 20 anos de casa, foi tão pres­si­o­nada que, contra os con­se­lhos dos amigos, tomou a ini­ci­a­tiva de aban­donar o em­prego. Por ter re­cu­sado agora o «ho­rário re­par­tido» que há uns anos lhe qui­seram impor - e mesmo com a razão desde então re­co­nhe­cida pelo tri­bunal - uma co­peira também foi des­pe­dida.

Os des­pe­di­mentos estão a ser con­tes­tados em tri­bunal.

Con­tinua a não se ver re­sul­tado das queixas na ACT, na ASAE, na de­le­gação de Saúde, no Mi­nis­tério do Tra­balho. «O di­rector-geral da Ins­pecção do Tra­balho re­cebeu-nos, ouviu-nos, e disse que não pode fazer nada», o que os tra­ba­lha­dores não aceitam. «Ele nem faz o que pode», con­cluem, à falta de autos, re­la­tó­rios ou coimas.

A luta mantém-se: na em­presa, todos os dias, re­sis­tindo ao in­ferno que os pa­trões querem ali im­plantar; e com uma nova acção, de vi­si­bi­li­dade pú­blica, que será re­a­li­zada ainda este mês. «Isto é di­fícil, há gente que vai abaixo, mas nós apoiamo-nos uns aos ou­tros, es­tamos firmes», ga­rantem.


Pre­o­cu­pa­ções


As me­didas re­pres­sivas têm efeitos con­tra­di­tó­rios. Co­locar meio-mundo a fazer ser­viço apenas ao balcão ou em «ho­rário re­par­tido» deixa fre­quen­te­mente des­guar­ne­cido o aten­di­mento nas mesas e na es­pla­nada. Pe­rante os pro­testos dos cli­entes, os pa­trões lá têm que re­correr a «cas­ti­gados».

As con­di­ções de tra­balho e a baixa re­mu­ne­ração não fa­vo­recem o re­cru­ta­mento de pes­soal. A quem se can­di­data, é ofe­re­cida a mi­ragem de tirar 50 euros por dia em gor­jetas. Mas o que con­cluem é que, muitas vezes, têm ainda que repor di­nheiro do seu bolso, de­vido a en­ganos pro­vo­cados pela sua pouca ex­pe­ri­ência e pela pressão de um ser­viço feito com poucos fun­ci­o­ná­rios. «É um en­trar e sair de em­pre­gados», que tem re­flexos ne­ga­tivos na qua­li­dade do ser­viço, como já notou uma re­vista de tu­rismo.

É com es­pe­cial pre­o­cu­pação que os tra­ba­lha­dores en­caram os efeitos de toda esta si­tu­ação no fu­turo do es­ta­be­le­ci­mento. «Não sa­bemos a si­tu­ação fi­nan­ceira», «a casa dá muito lucro» e su­por­tava ou­tros ne­gó­cios da fa­mília. Mas os sa­lá­rios de Maio «foram pagos com uma se­mana de atraso».

 



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